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A moda é ser feliz?

Por: Caroline Gouvêa 
Certo dia, pela manhã, quando abro meu computador leio uma frase: “Precisamos deixar que a vacina dolorida seja aplicada e que assim todos sintam a inevitável e natural dor de viver”… 
Qual é a busca do ser humano hoje? 
Uma busca desenfreada pela felicidade. Estar feliz a qualquer custo e com sofrimento mínimo. Mas aí que muitas coisas se perdem, pois nesta busca da felicidade é proibido sofrer. Percebe-se uma dificuldade entre os pais e responsáveis diretos pela criança, lá na tenra infância em não saber como impor limite, e uma insegurança ao dizer não, até porque isso dói e provoca lágrimas que alguns interpretam como sofrimento desnecessário. 
Quando iniciei o exercício da minha profissão como psicóloga clínica, lá em 2006, as repetidas queixas no consultório eram : medo, um desequilíbrio emocional, fobia, tristeza pela perda de alguém que amava, frustração mediante uma escolha, efim… Esses sintomas já são sabidos pelos profissionais da área psi e sempre aparecerão nos consultórios, e a questão não se remete aos nomes dados aos sintomas, o que quero chamar atenção é a proporção e a intensidade que alguns destes sintomas, possivelmente tratáveis, às vezes sem intervenção de medicação, como a tristeza ou luto, até mesmo alguns quadros de medo, fobia, atualmente recorrem-se às pílulas da felicidade. Nos tempos atuais qualquer tristeza é tratada como doença psiquiátrica. É proibido sofrer. Prefere-se recorrer aos remédios a encarar o sofrimento, a dor seja perda por alguém ou algo ou até mesmo se sentir triste. “Não se pode mais ficar triste, entediado, porque isso é imediatamente transformado e nomeado em depressão”. 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que a depressão será a doença mais comum do mundo em 2030 – atualmente, 121 milhões de pessoas sofrem do problema. Segundo o estudo de alguns psiquiatras, tanto os médicos quanto alguns pacientes estão confundindo tristeza com depressão. 
Hoje os sintomas estão associados além de uma depressão, e não uma depressão leve, moderada ou grave, seguindo os moldes da psiquiatria, mas transtornos que envolvem uma tendência ao suicídio, um ato destrutivo contra seu próprio corpo. Esses casos tem aparecido de forma mais recorrente nos consultórios, principalmente entre os adolescents entre 14 a 19 anos. O que desejo aqui ressaltar é a intensidade e a (des)valorização do sofrimento humano. O que anteriormente era considerado natural, como ficar triste, hoje é patológico. 
Não é possível ficar triste, chorar, sentir-se sozinho e se isolar por um tempo. Você já está marcado pelo outro com o nome depressão. Que lugar é este que eu ocupo e que o Outro quer de mim? 
Estamos vivendo um momento onde o sofrimento não é possível e preciso fazer mais do que isso. Para que ou para quem? 
Os estilos musicais estão retornando para o modo retrô, os padrões de beleza estão retornando àqueles dos anos 60 e 70. Talvez estes retornos agora citados sinalizem um desejo em busca de algo que outrora foi considerável sólido, estável. 
Qual o mal estar da civilização atual? 
Não basta ser pai, ser mãe, você precisa mostrar para o mundo como age para ser mãe e pai. Não basta ser filho, tem que ser o melhor filho. Não basta ter um projeto, almejar um proposta de empreendimento , você precisa ir além disso, obter sucesso com isso e expor suas conquistas. Não basta sonhar, você precisa lutar para concretizar este sonho. Uma cobrança interna ou externa? Então qual será a busca do ser humano hoje? 
Vivemos uma exposição constante nas redes socais dos hábitos de vida, exposição de crianças, adolescentes. A rede social deixou de ser um espaço para o marketing profissional e se transformou no marketing pessoal. Hoje a exposição profissional, ou divulgação de uma marca ou produto vai além do objeto em si, você precisa vender a sua identidade associada ao produto. A exposição pessoal se tornou um estilo de vida, se o outro me aceita e gosta de mim e do que eu faço, então ganho mais likes, mais curtidas e se ficam tristes magoados com alguém, logo expõe este sentimento ou atitude nas redes sociais, como se fosse um diário. Para quê? Não basta falar só para o outro ( médico, dentista, fisioterapeuta, psicólogo, psicanalista ), é necessário expor isto para o mundo, nos grupos de identificações nas redes sociais. Estamos na cultura do carpe diem, do momento, do imediatismo, numa intensa despreocupação com a duração das coisas. O que vale é o prazer imediato. A soberania do princípio do prazer. A modernidade líquida, pautada no princípio do prazer, promove a abolição do adiamento da satisfação, sendo que a recompensa deve ser instantânea. No entanto, essa satisfação é breve, um momento de êxtase, pois a satisfação completa não é assegurada, visto que não é constante por ser demasiadamente rápida. Neste sentido a psicanálise tem sua grande contribuição, desde Freud até Lacan. 
Diante disso chego no consultório e escuto uma queixa constante: quem eu sou? Tudo que o que eu faço não basta, preciso fazer mais e se não faço me sinto culpada(o). O que o outro quer de mim? Por que eu sou assim? Por que as pessoas me julgam pelo o que faço ou deixo de fazer? E concluem que não pertencem a este mundo porque isso não faz sentido! 
A impossibilidade de uma experiência de gozo absoluto é o que assegura a durabilidade do desejo e o mantém vivo. Mas como o imperativo contemporâneo é o da “satisfação já”, o sofrimento e a dor inerentes ao humano não são mais suportáveis . 
Hoje a clínica está em volta, em torno com a clínica da morte , do narcisismo, do corpo falante. Em O mal-estar na civilização, Freud aponta o relacionamento com os outros como a causa de maior sofrimento do homem. O mal-estar na civilização é o mal-estar dos laços sociais. 
Freud também considerava que o objetivo da vida é a felicidade, porém o caminho para essa realização pode ser nebuloso. Um tempo para sofrer e reencontrar a vida, superar a névoa escura. 
Shpenhauer diz: “a vida é dor e, se não é dor, é tédio. ”Hoje vivemos numa sociedade que diz: temos que buscar a felicidade , sem sofrimento. Se você sofre é porque algo está errado. É proibido sofrer! 
O sujeito busca o prazer sem levar em conta os limites do simbólico paterno e do princípio da realidade. A tentativa de apaziguar o desprazer de uma maneira a gozar absolutamente leva o sujeito à morte. Trata-se de uma cultura da pulsão de morte em que o prazer não é mais controlado e a busca por ele torna-se o propósito máximo da vida. A pulsão de morte, aqui tratada no sentido de abolição de uma tensão, de viver ao abrigo do sofrimento, caracteriza o que Freud em 1920 propôs que vai além do princípio do prazer . Percebe-se, desta forma, que na cultura de hoje não se tolera o sofrimento. E na busca de uma satisfação total prefere abrir mão do sentir em detrimento do agir. 
“O paradoxo da nossa existência consiste no fato que, quanto mais conquistamos, dentro de nós, a capacidade de sentir, de ter emoções e sentimentos, mais nos dispomos à dor. Freud em O Mal –estar na Civilização. 1929. 
“As pessoas hoje se defendem de maneira intensa de se reconhecerem como deprimidos, tristes com algo, como se isso fosse feio ou reprovável em nossa sociedade. A estas mesmas pessoas, a sociedade contemporânea, embora “depressiva” , não lhes oferece um “tempo para sofrer”. Decorre daí sua incapacidade de ser feliz. Na verdade, não há experimentação da dor nem da felicidade real, apenas da ilusão momentânea de satisfação total. 
Joel Birman também assinala que a subjetividade contemporânea manifesta-se como essencialmente narcísica. Percebo no consultório um aumento siginificativo, entre adolescentes entre 14 e 19 anos, com quadros borderline.Nota-se que este tipo de paciente se aproxima muito da sintomatologia das patologias do narcisismo pela sua característica de uma existência consideravelmente frágil. A psicopatologia destes pacientes contemporâneos envolve problemas de identidade (“não sei se sou eu ou se sou outro”) e não mais de identificação (“ser como o pai ou a mãe”). 
Freud ressalta a importância do narcisismo como estruturante, a questão são as dissoluções e os rearranjos das marcas do narcisismo primário e secundário no desenvolvimento psíquico. “Antes do narcisismo não havia propriamente um eu, apenas um corpo fragmentado, atravessado por pulsões parciais sem qualquer unidade”. Neste momento não ressaltarei esta diferença, embora seja relevante para a compreensão deste texto. Freud explora estas questões narcísicas, libido, pulsão de vida e morte nos texto Sobre o narcisismo: uma introdução; Luto e Melancolia. 
O que a psicanálise pode ajudar sobre estas queixas e demandas sobre o sofrimento contemporâneo ? 
Se o intuito é investigar as novas formas de sofrimento que se apresentam na clínica hoje, torna-se necessário verificar primeiro em que mundo vivem estes sujeitos que sofrem – não que isto seja determinante, mas certamente é um fator contribuinte na compreensão destes. E se as dores do homem de hoje são diferentes das dores do homem de séculos passados, tem-se que investigar o que mudou neste sujeito e no mundo ao seu redor, a fim de alcançar um entendimento mais amplo e completo do que, de fato, contribui para que hoje se fale em novas configurações subjetivas. 
Acompanhando a compreensão de Bauman (2001) sobre a evolução da sociedade, tem-se a passagem de uma modernidade sólida para uma modernidade líquida. Os sólidos são mais estáveis, mais resistentes, suscitam a idéia de durabilidade e confiabilidade. Os líquidos, por sua vez, possuem mais mobilidade, são mais leves, flexíveis e adaptáveis a qualquer espaço. Os fluidos, ao contrário dos sólidos, não mantêm a forma por um longo tempo, são claramente mais escorregadios e conseqüentemente mais evasivos. Desta forma, o autor utiliza a “fluidez como a principal metáfora para o estágio presente da era moderna.” 
Bauman (2001) caracteriza a modernidade sólida como : 
Um Estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo ano ou no próximo milênio, algum tipo de sociedade boa, de sociedade justa e sem conflitos em todos ou alguns de seus aspectos postulados: do firme equilíbrio entre oferta e procura e a satisfação de todas as necessidades; da ordem perfeita, em que tudo é colocado no lugar certo, nada que esteja deslocado persiste e nenhum lugar é posto em dúvida; das coisas humanas que se tornam totalmente transparentes porque se sabe tudo o que deve ser sabido; do completo domínio sobre o futuro – tão completo que põe fim a toda contingência, disputa, ambivalência e conseqüências imprevistas das iniciativas humanas (p. 37). 
Bruno Latour contribui dizendo que a primeira modernidade era, portanto, controlada, segura e confiável, pois as pessoas contentavam-se em viver de acordo, conformar-se, seguir o padrão, imitar e não desviar-se da norma. Tudo era projetado, controlado, regrado de forma rígida e adequado aos princípios da razão e do bom senso. Não se deve esquecer, porém, que tais características faziam parte do projeto da modernidade como ideais, não necessariamente alcançados em sua totalidade. 
Zygmunt Baumam afirma que a modernidade atual, em contrapartida, configura-se num apelo à velocidade, à constante produção, ao contínuo consumismo. Os objetivos a serem perseguidos são frágeis e mudam com muita freqüência. 
O mundo contemporâneo é recheado de interrupção, instantaneidade, incoerência, surpresa e permeado de estímulos que são constantemente renovados. Desta forma, “nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades ‘auto-evidentes”. No modelo de vida contemporâneo, tudo é temporário e há uma incapacidade de manter a forma, assim como os líquidos. 
Eis o paradoxo em que vivemos: “o processo de constituição da subjetividade pede tempo, e a cultura (pelo menos a contemporânea) pede instantaneidade”. 
Se ficam doentes, supõe-se que foi porque não foram suficientemente decididos e industriosos para seguirem seus tratamentos; se ficam desempregados, foi porque não aprenderam a passar por uma entrevista, ou porque não se esforçaram o suficiente para encontrar trabalho ou porque são, pura e simplesmente, avessos ao trabalho; se não estão seguros sobre as perspectivas de carreira e se agoniam sobre o futuro, é porque não são suficientemente bons em fazer amigos e influenciar pessoas e deixaram de aprender e dominar, como deveriam, as artes da auto-expressão e da impressão que causam. Isto é, em todo caso, o que lhes é dito hoje, e aquilo em que passaram a acreditar, de modo que agora se comportam como se essa fosse a verdade (Bauman, 2001, p. 43). 
A conseqüência disso é que o homem contemporâneo tornou-se mais frágil e sente-se mais impotente diante de tanta solidão. 
A cultura contemporânea fluida está essencialmente marcada pela instabilidade das relações, pelo empobrecimento de laços afetivos e pela ausência de referenciais, visto que os valores são constantemente consumidos e substituídos. O homem contemporâneo está sozinho, não há regras nem modelos a seguir. O imperativo é o princípio da autonomia e a doença do sujeito pós-moderno é a incerteza. O que está em jogo no mal-estar contemporâneo é a perda de sentido da vida, a sensação de irrealidade, a futilidade da existência, a crise de identidade, o medo do aniquilamento. 
O sujeito da psicanálise está, portanto, desde sua origem, referido ao outro. O nosso desejo é interpretado pelo outro. A estruturação do desejo se dá através da estruturação dos laços afetivos com o outro, em que as necessidades do sujeito se transformam em demanda de que o outro o ame. Esta é a única garantia de sobrevivência. No entanto há algo que escapa entre necessidade e demanda. Esse algo é o desejo inconsciente, que provém da falha, da impossibilidade de que o outro o entenda totalmente, ou mesmo que o atenda totalmente, visto que sua demanda de amor é inesgotável e, portanto, impossível de ser atendida. É quando a mãe “deixa a desejar” que o desejar da criança se instaura. 
Ou seja, só desejamos o que nos falta e esta falta nasce onde o outro falha. Neste sentido, o objeto faltante é causa do desejo. Por isso diz-se que é a partir da falta que nos tornamos sujeitos desejantes. Sendo assim, é só porque o desejo continua insatisfeito que ele continua existindo e movendo a vida humana. Se ele fosse satisfeito deixaria de existir: esse é justamente o vazio constitutivo. 
O que nos mantém vivo é aquele que conserva a resposta enigmática para a pergunta: Quem eu sou ? Desta forma, segundo Freud conseguimos falar sobre amor, mesmo que consigamos apenas dizer sobre formas de amar e não do amor. Ou seja, mesmo na maior solidão interna, ainda sim dependemos do outro. 
(Artigo de cunho científico e bibliográfico) 
Caroline Gouvêa é Psicóloga Clínica com formação continuada em psicanálise e saúde mental há quase 10 anos. Administradora da página do Facebook Psicanálise e Amor: uma transmissão. Atende adolescentes e adultos em consultório localizado em Sorocaba/SP. Contato: [email protected]
© Copyright 2015 Todos os direitos reservados. A cópia ou reprodução total e ou parcial deste texto apenas será permitida mediante aprovação da autora. 
Fonte: http://psicanaliseeamor.com.br/a-moda-e-ser-feliz/ 

Referencias Bibliográficas: 
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 
BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 3a edição. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2001. 
FREUD, Sigmund. “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
_______. “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
_______. “Luto e melancolia” (1915). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud.Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
_______. “Além do princípio de prazer” (1920). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
KEGLER, Paula. As Patologias do Narcisismo e a Clínica Psicanalítica: novas configurações subjetivas na comtemporaneidade. Trabalho de conclusão de curso. UFSM, 2006. 
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Ed. 34 Letras, 1997

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