A droga e o álcool são sintomas sociais, eles aparecem denunciando alguns problemas que enfrentamos hoje. O tema das drogas e do álcool nos ajuda a problematizar as nossas relações contemporâneas. Se hoje em dia eles estão disponíveis para muitos desde a adolescência, por que apenas algumas pessoas se tornam dependentes químicos e a maioria não?
Freud em sua época já dizia que era difícil enfrentar a realidade sem algum tipo de fuga. Se não podemos enfrentar a realidade sem algum tipo de fuga, se estamos sempre de alguma forma melhorando imaginariamente a realidade a nosso favor, tentando torná-la mais aceitável, tentando nos modificar para aguentar a realidade, por que algumas pessoas conseguem manter um certo equilíbrio emocional, mas para outras pessoas a realidade é tão intolerável que elas passam a não conseguir mais viver sem a ajuda de algum tipo de aditivo? Por que será que para algumas pessoas esse “escape eventual” se torna um vício?
Freud diz que tentar curar qualquer vício simplesmente pelo imperativo da abstinência não funciona, neste sentido, não se trata de tentar impedir que a pessoa frequente este ou aquele local, ou de tentar forçá-la a não utilizar o álcool ou a droga, porque assim o sujeito não se questiona, não vai ao fundo de suas questões, ao que seria a “fonte da paixão”. Poderíamos pensar o uso de drogas e do álcool como uma espécie de paixão, como a paixão pelo jogo por exemplo, que é um outro tipo de vício.
A toxicomania e o alcoolismo não são em si mesmos doenças, eles são um sintoma que pode estar resolvendo problemáticas diferentes para cada um, isso quer dizer que existe algo do sujeito que deve ser escutado e tratado. A maneira como se usam algumas substâncias podem ser comparados com a utilização de um fármaco onde a quantidade utilizada vai definir se ela é um remédio ou um veneno; se você usa pouco ele pode ser curativo, mas se você aumenta a dose ele pode ser letal; o uso contínuo da droga seria como se a pessoa ficasse transitando nessa linha até o limite em que o remédio para suas angústias se tornasse um veneno.
No momento em que uma pessoa está usando drogas ela tem a sensação de que nada lhe falta, ela não precisa falar nem pensar, fica tudo em suspenso; também o seu lado de ser desejante ficaria como que ‘anestesiado’, o sujeito não precisa mais dos outros, é uma espécie de fuga, resta apenas um corpo que funciona, que acolhe a droga que lhe traz efeitos apaziguadores para a dor de viver, para suas insuficiências, questões, angustias, como se o sujeito se sentisse pleno e tranquilo. No entanto, apagando-se as questões que lhe angustiam, ele se torna um corpo-organismo sem subjetividade. Este efeito é apenas momentâneo, porque a angústia volta redobrada em muitos casos, daí o mecanismo do vício, o sentimento de falta retorna, e o uso da droga se faz necessário para trazer de volta a tranquilidade suposta no ato de se drogar. O sentimento de desamparo do drogadito perante a vida muitas vezes desaparece quando a droga é usada. O sujeito se sente completo e perfeito, como se não precisasse de ninguém. Os remédios psiquiátricos que anestesiam nossas emoções normais como tristezas e lutos, também podem abrir o caminho para o consumo de drogas ilícitas.
Nossa cultura ajuda a disseminar a ideia de que é possível viver sem nenhuma dor, que devemos consumir ao máximo, como se a boa vida fosse a vida só de prazeres, ela mesma não produzindo modos de sofrimento (como algumas religiões produzem, como a ideia de que seremos felizes na vida eterna para compensar nossas infelicidades), a religião diz que sofrer é de certa forma normal, faz sentido, faz parte da vida.
Os imperativos de consumo se dirigem para todos, mas o consumo em si está acessível apenas para alguns, aí entra a droga, como algo que vai substituir tudo o que eu não posso ter. Geralmente são os adolescentes as maiores vítimas desses imperativos de consumo, que estão na cultura toda, sendo a publicidade o porta-voz deste imperativo de que devemos consumir. O adolescente está entrando na vida adulta e é considerado como uma figura privilegiada para quem se dirigem os apelos de consumo.
Podemos considerar que não existem “o drogadito” ou “o alcóolatra”, mas sim um sujeito com suas singularidades e que as pessoas não são iguais, não se viciam da mesma maneira, por isso temos que caminhar com cada um por um caminho diferente, de acordo com o que escutamos dele. Cada toxicômano e cada alcóolatra é um ser diferente em si, e cada um se vicia por razões e caminhos singulares.
O analista vai sempre escutar a pessoa em sua singularidade, com suas histórias, problemas e conflitos pessoais. São as questões do sujeito que vão fazer o tratamento caminhar. O que move a vida humana é o desejo, que cria objetos simbólicos que lhe representam. Preenchemos um lugar vazio da vida com nossos desejos. O prazer e as necessidades fazem parte das emoções e sensações que podem satisfazer nossa vida.
A psicanálise poderia dizer que o que falta ao sujeito toxicômano ou alcóolatra é o mesmo que falta a todo sujeito humano, ou seja, todos perdemos nossa completude quando nascemos, todos nós sentimos que algo nos falta. Nós conseguimos desejar e buscar coisas fora de nós para de alguma forma completarmos um pouco esse vazio, e na toxicomania e no alcoolismo é como se a substância química prometesse apagar isso, essa dor de viver que surge ao nos depararmos com essa nossa incompletude e com a brevidade de nossa vida.
A psicanálise é um caminho onde você pode se embrenhar na sua subjetividade, o que muitas pessoas muitas vezes não estão dispostas a fazer, por acreditar ser um caminho muito complicado e preferir os mais fáceis.