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O amor enquanto sintoma

Por: Cláudia Juliana Ochs Maciel 

O amor, Ah, o amor! Para tantos, motivo de existência, para outros, perdas de si. Para os poetas, combustível, para aqueles que o olham sem tocar, o pior veneno. Para os que o perseguem, fantasma, para os que não lhe buscam, laço. É, juntamente com a morte, a força maestra que nos guia, que nos faz crescer, criar, construir e reconstruir nossa própria história. Pode ser laço ou nó. Liberdade ou prisão. Evolução ou estagnação. Alegria ou dor. Proteção ou desamparo. Carinho ou agressão. Ou pode ser um pouco de tudo misturado, compondo-se de acordo com os sujeitos que embarcam nessa aventura, moldando-se de acordo com as posições subjetivas que cada qual ocupa no enredo amoroso.
Durante os estudos sobre a Interpretação dos Sonhos, por vezes me questionei sobre os sonhos que aparecem na clínica quando o sujeito em questão é alguém que tem o amor enquanto sintoma. Em minha escuta pude verificar a dificuldade que alguns pacientes apresentam ao relatar esses sonhos que são carregados de afetos hostis contra os objetos amorosos, do quanto é perturbador se deparar com a destruição ou perda desse objeto que tanto faz sofrer. 
Pode-se dizer que os sonhos são a via-régia para o inconsciente, mas não qualquer sonho. Os sonhos que tem este atributo são aqueles que trazem um enigma para o sujeito, um sonho que ganha um estatuto de significante. 
Já no seu texto “O inconsciente” de 1915, Freud nos diz que nunca temos acesso às ideias do inconsciente, apenas aos significantes já no pré-consciente. Esses significantes são sempre representantes de uma representação e aparecem enquanto lapsos, atos falhos, chistes, sonhos e sintomas. É justamente através destes representantes que podemos evidenciar a existência do inconsciente, são as chamadas formações do inconsciente. 
Assim o amor, quando sintomático, pode evidenciar muito bem a existência de tal instância. Quantas vezes nos questionamos sobre como um amigo ou conhecido está novamente na mesma enrascada amorosa? Quantas vezes você já olhou para um casal e pensou: – Nossa, isso só pode ser doença! E quantas pessoas você conhece que simplesmente não conseguem se relacionar, onde nunca algo da certo? É triste ver pessoas embrulhadas em seus sintomas, impossibilitadas, muitas vezes, de seguir em frente, presas, quem sabe por uma vida inteira, sem realmente poder experimentar um amor distante do sintoma. 
– Não adianta, todos os homens são iguais! – jargão já bem conhecido que demonstra uma repetição do sintoma no tempo. Este homem pode não prestar porque trai, porque bebe, porque bate, porque não trabalha… e por aí vai. Mas por que será que a fulana repete? Por que ela sempre escolhe esse traço em questão e acaba, de fato, por encontrar homens sempre iguais? Por essas e outras que escrevi um pouco mais acima:
Mas o amor, quando sintomático, pode evidenciar muito bem a existência de tal instância (do inconsciente). O amor – que faz com que nos questionemos sobre aquele amigo que sempre se mete na mesma enrascada, ou sobre aquele casal que se relaciona de forma doentia, ou ainda, sobre a fulana que encontra os homens todos iguais – é uma formação do inconsciente, ele é sintoma, vai além do sujeito. Não há lógica nessas relações, não há racionalidade, há sim um “não se sabe o que”, um traço que é encaixe para o inconsciente e que acaba por se tornar busca. 
Freud nos traz que existe uma condição do amor, a qual ele nomeia de Liebesbedingung,a causa do desejo. Seria isto um traço particular ou um conjunto deles ocupando para cada um uma função exclusiva e determinante na escolha amorosa. 
Sobre essa causa do desejo, sobre esse traço em questão que é um não saber, e sobre o amor enquanto sintoma, recorto um trecho da obra de Clarice Lispector, em A hora da estrela, que clarifica essa ideia: 
“Ela sabia o que era desejo – embora não soubesse que sabia. Era assim: ficava faminta, mas não de comida, era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abraço. Tornava-se toda dramática e viver doía.” […] “Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.” 
Assim como a personagem de Clarice, muitos sujeitos chegam à clínica em estado de desespero de amor, sabendo o que é desejo sem saberem que o sabem. Essas pessoas querem se livrar do que há de errado em seu amor, querem se livrar do sintoma, mas não do gozo do sintoma. Querem a mesma relação, o mesmo homem, mas que não traia tanto, ou ao menos que seja mais discreto. Querem o mesmo homem, mas que não chegue a ficar bêbado, só alegre. Querem um homem igualzinho, mas que trabalhe, ou um homem que não bata, ou, ao menos não tanto ao ponto de deixar marcas. 
É, aí mora um gozo. E se o sujeito não tivesse de lidar com a parte do sintoma que é uma desvantagem, provavelmente repetiria indefinidamente esse grude no traço do objeto eleito causa de desejo. 
Utilizei-me de exemplos do discurso feminino pois é justamente de uma posição feminina que se trata. Vale ressaltar que este discurso não é proferido apenas por mulheres, mas é sim um discurso essencialmente do feminino, envolvendo uma demanda de excesso de amor. 
Nesse escrito se evidencia então o amor que faz com que o sujeito se perca de si, aquele que é o pior veneno, fantasma, nó, prisão, estagnação, dor, desamparo, agressão… o amor enquanto sintoma, que além dessas manifestações que acabo de citar, pode apresentar infinitas outras. Esse amor, por ser sintoma, faz com que o sujeito busque auxílio da psicanálise, pois é um amor que, para poder existir, tem um alto custo sobre a saúde psíquica e física do sujeito. 
E o que pode um analista fazer ao escutar essa demanda de amor louco, amor sintoma? 
Bom, escutar e convocar o sujeito a se questionar sobre seu gozo. 
O analista aposta numa transformação do sujeito a partir da fala, numa implicação subjetiva sobre o próprio sofrimento que o analisando denuncia. A psicanálise pode fazer com que esse sujeito reescreva sua história, reinvente, ressignifique. Pode-se colocar pontos onde antes existiam reticências, interrogações onde só restavam possibilidades para pontos finais, acrescentar vírgulas e parênteses com explicações pormenorizadas e aspectos novos para possibilitar um “fazer com” com este inconsciente que para sempre estará ali. 
Encerro com um fragmento de outro livro de Clarice Lispector, Crônicas para jovens de amor e amizade: 
“Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que, mesmo no amor, tem-se que ter bom senso e medida.” 
Sobre a autora: Cláudia Juliana Ochs Maciel é psicóloga e psicanalista em Tubarão e Laguna (Santa Catarina) – CRP 12/12918 
Facebook: www.facebook.com/claudiajuliana.psicologa

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