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Senhor do seu desejo

Por Francine Murara 
Vermelho, Escracho, Intensidade, Espanha, Intrigante, Quebra de paradigmas, Tensão, Sexo, Pungente, Muito, Catarse, Paixão, Angústia, Comovente, Cores, Colorido, Penélope Cruz, Inquietude, Irreverente, Gay, Autêntico, Kitsch, Estranho. 
Todas essas palavras me foram ditas, quando fiz a seguinte questão “Qual a primeira palavra que vem na sua mente quando você escuta, Almodóvar?” 
Mas o que todas elas têm em comum? 
O transbordamento das emoções. 
Almodóvar não é meio cheio, ou meio vazio. É transbordamento. 
Transborda o desejo. Escancara afetos. Revela os paradoxos da vida. 
Nada mais belo que o amor paternal de uma mulher que já foi homem; nada mais belo que o elogio da feminilidade autêntica feito por um homem que se tornou mulher. 
Almodóvar está entre os cineastas mais capacitados para transmitir o desejo com todas suas curvas sinuosas. Trazer a tona questionamentos e instigações sobre a subjetividade humana. Subjetividade esta, refletidas em diversos âmbitos em toda sua produção. E quanto mais nos adentramos ao seu universo, mais percebemos as múltiplas conexões que tanto nos fascinam e nos ligam à ele. 
Pedro gosta de trabalhar com os atores de maneira próxima, quase hipnótica, e tudo isso é refletido e sentido em seus filmes. A intensidade na interpretação dos atores é sentida pelo expectador, estão lá. Carne viva. 
O aspecto visual, os cenários, as músicas, o figurino, as cores (que tanta gente lembra quando ouve seu nome)…nada está ali por acaso, e tudo está ali para ser sentido. Pedro está presente em tudo: da produção à montagem final. Um dos motivos pelo qual ele não gosta de dar entrevistas para falar de seus filmes é por privar muitas vezes o expectador da reflexão, da criação própria instintiva e visceral de cada um. 
Sobre as cores em seus filmes, gostaria de fazer um “aspas” e transcrever uma parte de uma entrevista. “A vitalidade das minhas cores é uma forma de lutar contra a austeridade de minhas origens. Minha mãe se vestiu de negro durante quase toda uma vida. Desde os três anos, foi condenada a fazer luto por diferentes mortes na família. Minhas cores são uma espécie de resposta natural originada no ventre de minha mãe para me rebelar contra a austeridade obrigatória. Com o poder de lutar contra a inerente natureza humana, minha mãe concebeu um filho que teria força para enfrentar todo esse negrume.” (STRAUSS, F. Conversas com Almodóvar, p. 113). 
Dono de uma linguagem própria, o trabalho com a voz é uma de suas obsessões. Seja na direção com os atores, ou na escolha de uma tomada. Por isso, é muito importante assistir seus filmes na versão original. Sempre. 
Seja pela força de seus personagens, pela visão nada simplista do universo humano, pela estranheza de certas relações, pelo des(norteamento) que certas cenas nos causam, pelas ações nada comuns ou “amorais”, toda sua produção transparece o seu desejo. Ou o nosso. 
Lacan dizia que o desejo, de certa forma, sempre é perverso. Esse perverso, ao mesmo tempo que causa estranhamento, nos interessa. 
Primeiro estranha-se, depois entranha-se, já dizia Fernando Pessoa. 
Entranhamos aquilo que nos diz respeito. 
Pedro enquadra o real. 
Almodóvar desarruma. E viver, é desarrumar-se. 
“O desejo é o nome da nossa produtora, é a palavra-chave do título de um dos meus filmes e está também presente em todos os outros.” Pedro Almodóvar 
Sobre a autora: Francine Murara é Psicóloga, psicanalista e tem um caso de amor com as letras. Mora em Jaraguá do Sul – SC

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